quinta-feira, 21 de novembro de 2013

SURF x VELOCIDADE



Toda vez que alguém encomenda uma prancha nova o shaper ouve a mesma súplica: “queria que a minha prancha fosse rápida e solta”.  Às vezes eu até brinco com o cliente, dizendo que ele quer uma prancha sem quilhas...  Mas na verdade, essa situação é mais complexa do que parece.  Para melhor entender o meu ponto de vista, vou fazer uma breve retrospectiva histórica do desenvolvimento do surf nas últimas três décadas.



Nos anos 70, o surf era desenvolvido sobre pranchas muito maiores e grossas que as atuais.  Na sua maioria single fins (uma quilha).  Havia muita flutuação naqueles modelos, mas as manobras eram muito limitadas e lentas (comparando com os dias atuais).  Se pudessem ver revistas da época, notariam que o porte físico dos surfistas era bem diferente dos atuais.  Tudo era mais rústico e embrutecido.  No final desta década surgem as twin fins (bi quilhas), esboçando a primeira reação na direção de um surf mais progressivo.  Os grandes expoentes dessa geração foram Gerry Lopez, Rory Russel, Shawn Thomson, Mark Richards, Cheyne Horan e Reno Abelira entre outros.



Chegam os anos 80, e com eles a grande revolução das tri-fins (três quilhas), criadas por Simon Anderson.  Testadas nos expressos da Indonésia e apresentadas à comunidade do surf pelo próprio criador durante o tour daquele ano, estas verdadeiras máquinas de moer ondas causaram o maior impacto do ponto de vista do aproveitamento da onda em comparação com as suas antecessoras.  Ao mesmo tempo em que proporcionava maior velocidade, como as twin fins, aliava maior segurança nas manobras mais críticas.  O equipamento ficou mais refinado, assim como os surfistas que se criaram nestes modelos.  Nomes como Hans Hedeman, Willy Morris, Joey Buran, Bud Llamas, Terry Richardson, Tom Carroll e Tom Curren marcaram esse período.




Os anos 90 chegaram meio mornos.  Havia uma relutância no começo da década em relação aos avanços nos designs das pranchas.  Era o impacto do pós-moderno afetando a comunidade surfística.  Muitos afirmavam que o surf havia chegado ao seu máximo e que tudo que se fazia era nada mais do que usar velhas idéias com uma nova roupagem.  Mas como a Fênix, o surf ressurge das cinzas para provocar no mundo do surf a maior revolução técnica de todos os tempos. 


Mais uma vez, a necessidade por velocidade foi a mola mestra desse salto qualitativo.  Só que desta vez ela foi impulsionada por uma geração de surfistas estilistas e radicais.  As necessidades criadas pelas manobras de última geração deram um novo gás para os shapers e designers de plantão.  Toda a indústria do surf foi afetada.  Novos materiais como fibras mais leves e resistentes, blocos mais refinados e até roupas de neoprene mais elásticas surgiram.  Esta geração conta com surfistas do naipe de Kelly Slater, Mark Occhilupo, Kalani Rob, the Iron’s Brothers, Hobgood Brothers, Lopez Brothers e tantos outros brothers.



Chegamos aos anos 2000 e já estamos em 2013.  As performances dos atletas ficam cada vez mais espetaculares.  Nunca se produziu tantos vídeos de surf, que são devorados por uma legião de entusiastas, ávidos por assimilar novos truques de seus ídolos.  Garotos de oito anos podem ser vistos tentando uma variedade de ollies, aéreos e reverses, entre outras manobras.  A velocidade é extrema, como uma metáfora da era digital em que vivemos.  Mas o que é que tudo isso tem a ver com você?
Por que você pede uma prancha que te dê mais velocidade ao seu shaper?


Era uma vez um surfista chamado Donovan Frankenreiter.  Ele era famoso por fazer um surf descomprometido e alternativo.  Um dia ele resolveu surfar com velhos modelos no meio daquela galerinha que só queria usar o que havia de última moda.  Resultado? Todos ficaram de boca aberta com a performance do rapaz que fazia manobras de última geração num “toco” de 30 anos atrás.  Moral da história? Será que é a prancha que dá velocidade ao surfista, ou é o surfista que dá velocidade à prancha?







No próximo artigo, eu estarei abordando a questão da velocidade x surf em detalhes mais práticos. Até lá...


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

DESENVOLVENDO UMA PRANCHA EM CONJUNTO COM O SHAPER



Situação 1 – Eu queria uma prancha rápida e solta. Capricha!!!

Situação 2 – Eu queria uma prancha diferente.  O que você acha de uma double wing swallow, com um concave no pé da frente, passando para um double concave no pé de trás e seis canaletas na saída da rabeta???

Situação 3 – Eu queria uma prancha com as medidas que eu vi da prancha do “fulano-de-tal”, na revista “Influir”.




Eu duvido que exista um shaper no mundo que nunca se deparou (ou se depara) com uma, ou mais, dessas situações apresentadas acima.  O surf evoluiu muito nas últimas duas décadas no Brasil, mas certas coisas parecem não mudar nunca.  È por isso que eu resolvi escrever este artigo.  Quem sabe não lanço algumas sementes, para mudar um pouco essa realidade?  Mas é preciso derrubar alguns paradigmas, no intuito de melhorar o relacionamento surfista/shaper e tirar mais proveito dessa relação.




A primeira é a crença de que o shaper é um indivíduo infalível, uma espécie de “guru”, que domina todos os conhecimentos relacionados à prancha de surf.  O shaper é sim, um indivíduo com a habilidade de transformar um bloco de poliuretano numa prancha, fazendo uso do conhecimento acumulado através da experiência e do estudo das pranchas ao longo do tempo e das ciências correlatas ao seu ofício (física, matemática, hidro e aerodinâmica, química, resistência dos materiais, antropometria, ergonometria, etc).  Cada prancha é uma peça única, fruto do estágio de desenvolvimento do shaper num dado contexto histórico e cultural.  Sendo assim, o shaper reflete nas pranchas: a sua linha de pensamento (conceitos), as tendências que cercam o seu entorno cultural (feedback da equipe de competição, satisfação do cliente, as pranchas dos pros do WCT, novos materiais, a situação política e econômica do país, etc).




O segundo é também uma crença muito comum no meio surfístico: “a prancha que é boa para um pro, é boa pra qualquer surfista”.  Não necessariamente!  Cada surfista tem características próprias.  Mesmo surfistas que têm estilos muito parecidos podem apresentar diferenças grandes no design de suas pranchas.  Eu tenho um amigo que é fã incondicional do Occy e tenta surfar como ele, mas o seu estilo é mais parecido com o do Tom Curren. Como equacionar um problema deste?  Primeiro, temos um problema psicológico, onde um indivíduo idealiza uma imagem de si mesmo.  Depois temos a imagem que os outros têm desse indivíduo.  Por último, temos o shaper, que, independente dos dois fatores anteriores, tem que se ater as reais necessidades do indivíduo em questão para, só então, produzir a prancha ideal.




É neste ponto que começa a verdadeira relação entre surfista e shaper.  Desenvolver o design ideal para um determinado indivíduo é um trabalho que leva algum tempo.  Sobre o shaper, já mencionei anteriormente que é o indivíduo responsável por transformar idéias em realidade, dentro de um determinado contexto que o cerca.  Mas qual é a responsabilidade do surfista nessa hora?  Como ele pode contribuir para melhorar os resultados de tal relação?




Acho que a palavra-chave é FIDELIDADE.  Quando se encomenda uma prancha pela primeira vez, a maioria dos shapers, não conhecendo o surfe do cliente em profundidade, produz uma prancha mediana.  Essa prancha será o referencial que o shaper irá usar na hora de fazer a próxima prancha.  Mas o cliente é a parte mais importante nessa etapa, pois o “feedback” fornecido por ele será primordial para os ajustes a serem feitos na nova prancha.  Pena que isso, em grande parte, seja uma grande utopia...




A maioria dos surfistas sofre de um mal chamado “imediatismo”.  Esse mal impede, na maioria das vezes, que um trabalho de desenvolvimento de uma prancha em conjunto seja concretizado.  Não fossem os atletas das equipes de competição e uns poucos realmente interessados no desenvolvimento do seu surf de uma forma mais racional, o shaper não teria como avaliar os progressos do seu trabalho de uma forma mais direta e objetiva.





Portanto, na próxima vez em que você for encomendar uma prancha nova, converse com o seu shaper, mas não chegue com idéias pré-concebidas.  Tente expor a suas dificuldades, em vez de suas virtudes.  Tente conhecer mais sobre a prancha e seu funcionamento, começando por guardar as dimensões básicas delas.  Com o tempo, talvez, você esteja apto a chegar junto ao seu shaper e manter uma conversa mais produtiva na hora de decidir qual vai ser a sua próxima “nave”.