segunda-feira, 29 de julho de 2013

A PRANCHA MÁGICA - Harry Potter e a Câmara de Shape*







 

Era uma vez na Fórmula 1: “...Lá vem Rubinho. Só faltam duas curvas e a reta de chegada. Lá vem Rubinho, lá vem Rubinho....Lá vinha Rubinho....Vai parando Rubinho..........Fim de corrida para o brasileiro....”



Não é só no surf que o equipamento, algumas vezes, representa a diferença entre a vitória e a derrota.  Mas será que só o equipamento é que deve ser responsabilizado pelos resultados de um atleta?  Por que o carro do Schumacher não quebra?  Com toda a tecnologia a disposição, por que o fator humano é, ainda, o que decide quem ganha ou quem perde?  E se eles trocassem de carro, o resultado seria diferente?

Pois eu faço essas reflexões, para introduzir um assunto que, para muitos, parece ocultar o segredo da “pedra filosofal” do surf.  Até que ponto uma prancha é determinante para a performance de um determinado surfista?  Será que um shaper tem o poder de transformar o mais medíocre dos surfistas num “K.S.”?



Os vídeos de surf estão repletos de imagens, mostrando surfistas de alta performance em manobras ousadas, seja em pranchas de última geração, em modelos antigos, ou em modelos bizarros.  Para os leigos, tudo é uma forma de “encher linguiça” no filme.  Para os que enxergam um pouco mais longe, estes “insights” são uma forma de mostrar quão talentosos e “foras-de-série” são estes atletas.

Minha vida foi sempre ligada ao esporte.  Filho de jogador de futebol, na minha juventude eu pratiquei futebol, futsal, ginástica olímpica, vôlei, e basquete entre outras coisas, até virar surfista.  Eu me lembro de uma reportagem, quando o Pelé ainda jogava, em que ele demonstrava toda a sua habilidade, fazendo “embaixadinhas” com os mais variados objetos (laranja, bola de meia, de pingue-pongue, etc).  Puro talento talhado com muito treinamento e dedicação.

Há alguns anos, mais precisamente em 2000, estive na Nova Zelândia e, acidentalmente, achei uma edição especial sobre pranchas da revista Waves australiana.  Em um dos artigos dessa revista, a questão da prancha mágica é abordada de uma forma muito interessante.  Entre as questões levantadas pelo autor (Sam McIntosh), algumas merecem destaque.  A primeira delas é como definir o que é uma “prancha mágica”.  Para o autor seria a prancha que possibilita ao surfista alcançar outro nível no seu surf, permitindo uma ampliação dos limites até então alcançados pelo atleta.



Outro dado importante levantado pelo autor é a possibilidade (ou não) de isso acontecer durante a vida de um surfista. Para isto, ele compara a quantidade de pranchas que um atleta irá possuir na sua carreira (aumentando ou não as suas possibilidades).  Os dados indicam que um profissional usa de 40 a 50 pranchas por ano, enquanto que um surfista comum terá algo em torno de 20 pranchas em toda a sua vida.  Isso diminui, em muito as chances de se ter a prancha “mágica”.  Beau Emerton, profissional do WCT, reconhece que já possuiu mais de 1000 pranchas na sua carreira, mas afirma que nunca teve uma que pudesse chamar de mágica.



Para Dahlberg, shaper de pros do calibre de Occy, às vezes os pros não dão muita chance para se adaptarem à um novo design.  Por exemplo, Nathan Webster e Jake Paterson geralmente dão um surf de uns 20 minutos e já se sentem aptos a dizer se uma prancha serve ou não para eles.  No filme “The Occymentary”, Dahlberg relata uma passagem em que Occy recebe pranchas novas e liga para o ele dizendo que “ela funcionou na primeira caída, mas depois ela não funcionou. Mas depois ela voltou a funcionar novamente...”  Por aí vocês observam o quão subjetivo pode ser o julgamento de um surfista em relação a sua prancha.



Neste artigo surge uma grande dica para os surfistas em geral.  Já que a possibilidade de encontrar a prancha ideal (ou mágica) está diretamente relacionada com a quantidade de shapes que se pode testar, o jeito é testar o maior número de pranchas possível, num espaço de tempo mais curto que uma vida de atleta.  Para isso, imagine que você tem pelo menos dez amigos, cada um com duas pranchas em média e, de preferência de shapers diferentes.  Se todos estiverem de acordo, num dia de ondas razoavelmente boas, eles poderão fazer um rodízio de pranchas e, a cada troca, fazerem anotações quanto as impressões que cada um teve de cada prancha surfada.  Mas tome cuidado!  Uma prancha partida ao meio pode acabar com o “test-drive” e com a alegria de alguém.



Feito isso, você terá surfado uma quantidade de pranchas comparável à média de pranchas que você possuiria em toda a sua vida.  Além disso, você terá ampliado os sentidos com relação ao que estaria mais próximo da prancha dos seus sonhos.  Se puder contar com o monitoramento de um shaper durante esse processo, os resultados podem ser até mais confiáveis.



Talvez isso seja um delírio da minha parte, mas a idéia parece ser tentadora.  Mas e se você já possui, ou possuiu a tal prancha mágica?  O que fazer quando ela já não estiver em condições de uso?  Bom, primeiro, jamais a venda sem tentar uma cópia, a mais fiel possível (e máquina não garante fidelidade total).  É bem provável que as grandes virtudes da prancha em questão estejam nos pequenos detalhes, às vezes até imperceptíveis para o mais experiente dos shapers.

* Este texto foi publicado num extinto site, chamado Surfside, por volta de 2000.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

QUILHAS PRA QUE TE QUERO




Já se passaram oito décadas desde de que o visionário Tom Blake instalou o primeiro arremedo de quilha no fundo de sua prancha. De lá pra cá, vários materiais, formatos, quantidades e combinações já foram experimentadas. O advento das quilhas móveis foi o último grande salto, que permitiu uma maior capacidade de testar modelos diferentes e chegar a ajustes finos entre estilos de surfistas, tipos de ondas, e design de pranchas.

Hoje já é possível escolher uma grande variedade de quilhas de fabricantes diferentes, com sistemas de instalação variados e materiais cada vez mais sofisticados. O nível de refinamento está cada vez mais alto e os fabricantes investem muito dinheiro em R&D. As quilhas e sistemas de fixação são testados em laboratórios de ponta de universidades renomadas. 



As informações sobre os modelos de quilhas e suas aplicações estão cada vez mais acessíveis aos surfistas, leigos ou profissionais, nos websites dos fabricantes. Qualquer um pode avaliar as suas necessidades, dependendo do design da prancha utilizada e das ondas que pretende surfar, e juntar um set de quilhas para cobrir estas variantes.

Apesar de todo este avanço tecnológico, muitos surfistas ainda reclamam que as quilhas móveis carecem de um efeito próprio das quilhas laminadas. As quilhas de encaixe formam um ângulo de aproximadamente 90º, com o fundo da prancha. Ensaios de laboratório mostraram que a região de contado das quilhas laminadas com o fundo da prancha, com aspecto arredondado (como as barbatanas de um golfinho), cria um efeito de lifting, gerando um empuxo positivo. Talvez seja este o efeito que agrada tanto aos surfistas que preferem as quilhas fixas.



Bom, se este era o problema para esta parcela de surfistas, agora eles não terão mais do que reclamar. A FCS acaba de lançar sua mais nova linha de quilhas, ou melhor, duas linhas de sistemas de encaixe. O primeiro, que dispensa o uso de parafusos; o segundo, que simula o mesmo perfil das quilhas laminadas. Assista ao vídeo de lançamento e veja o nível tecnológico que  o surfe está atingindo no século 21.


Abaixo estão alguns links com estudos acadêmicos publicados envolvendo a análise de quilhas:

 - Análise de performance entre quilhas laminadas de fibra e quilhas de injetadas de composite:


- Performance hidrodinâmica de uma quilha de prancha de surfe:


- Estudo comparando a performance das configurações com 3 e 4 quilhas:


Estes são só alguns exemplos de trabalhos acadêmicos que abordam a performance das quilhas. É interessante ressaltar que os resultados apresentados, em sua maioria, confirmam o que foi empiricamente desenvolvido pelos shapers ao longo da história do surfe.

 - Aqui tem um guia com informações básicas sobre quilhas:




Cada fabricante descreve os modelos desenvolvidos e sugere sua aplicabilidade. Mas a palavra final fica por conta do usuário, já que, num universo de subjetividades, é o feeling que vai ditar a preferência por um modelo em especial. Para os surfistas que não têm uma opinião formada, ou estão entrando agora neste universo de quilhas de encaixe, sugiro que consultem o seu shaper como ponto de partida para esta aventura. Ele poderá sugerir o tipo ideal de quilha, ou de quilhas, para as condições em que a prancha será utilizada.






domingo, 7 de julho de 2013

GO SHORTER, GO WIDER, GO AHEAD!

O surf é um esporte incrível e surpreendente para quem estuda a sua evolução. Da religião ao esporte, do lazer às competições, da fuga ao profissionalismo, dos anônimos às superestrelas, da madeira aos materiais mais high tech, das olo boards às shortboards... São muitas eras que tiveram um desenvolvimento constante, mas nem sempre sincronizado.

O design das pranchas é um dos universos mais instigantes. Resumindo, como no parágrafo anterior, poderíamos dizer que as pranchas evoluíram de uma relativa padronização, para uma pulverização de designs. Mas quais os fatores que levaram a este patamar em que nos encontramos?

 FISH RETRO
MINI SIMMONS

Não houve um fator isolado, isto é certo. Ao longo dessa evolução, vários elementos contribuíram para estes avanços e mudanças de paradigmas. Um deles foi a descentralização do esporte, com a disseminação proporcionada pelo grande embaixador, Duke Kahanamoku, que propagou a beleza do esporte pelos quatro cantos do planeta. Isso contribuiu para que outras influências culturais começassem um processo de releitura do surf tradicional, baseado nas antigas pranchas havaianas.

Um segundo fato, foi o surgimento de novos materiais, que possibilitaram maior agilidade na construção  e experimentação de novas concepções de pranchas. A fibra de vidro e as espumas expandidas foram grandes impulsionadores desta fase.

Como terceiro aliado neste processo, citaria o desenvolvimento das competições. Isso criou um ambiente favorável à busca de pranchas mais ágeis e responsivas. O atleta deixava, cada vez mais, de ser passageiro, para se tornar o piloto destes protótipos. O shaper passa a ser um elemento chave deste universo. A era do shaper-guru dá lugar para o shaper-designer.

CASSIO KAYAN E SUA "LARGUINHA" NO PÓDIO

Como uma coisa leva a outra, os surfistas começam ater um comprometimento maior com a carreira profissional e com o desenvolvimento de novas manobras, elevando o surf a patamares inimagináveis. As décadas vão se passando e são marcadas por gerações de surfistas que deixaram seus nomes marcados na trilha do tempo, devido aos seus feitos, sejam eles competitívos, inovadores, ou simplesmente performáticos.

CASSIO KAYAN E SUA "LARGUINHA" EM AÇÃO

Neste aparente tornado de acontecimentos, o shaper foi a peça que mais teve que se adaptar, passando por décadas de transições, testando materiais, técnicas construtivas, vendo limites sendo derrubados e tendo que se reinventar a cada mudança. A mais recente destas transformações veio na forma de uma releitura de velhas ideias. Na década de 90, quando o mundo do surf ainda se adaptava às performances avassaladoras da turma do new-school, com suas pranchas "batata-chips", um movimento dos descontentes com estes designs ultrafinos e curvados iniciou uma romaria em busca do resgate de velhos designs esquecidos: a moda retrô. Fishes, Mini Simmons, Rocket Fishes e outros clássicos das décadas de 60/70 voltaram a surgir, para atender essa demanda. Diversos filmes começaram a mostrar os ícones da nova geração brincando com estas pranchas e mostrando novas possibilidades, baseadas numa linha de surf mais polida.

MODELO DUMPSTER DA CHANNEL ISLANDS

Não demorou muito para que shapers e surfistas percebessem que aquelas pranchas estavam longe do ideal para o atual patamar técnico do surf. A galera mais veterana até curtia aquele conforto na remada, devido a excessiva flutuação, mas elas limitavam muito a expressão em termos de manobras mais agressivas. Além disso, muitas delas não funcionavam bem em ondas mito rápidas, fotor que já está incorporado na linha de surf há algumas décadas. O resultado disso foi um blending de virtudes, ou um mix do melhor dos dois mundos: criar uma prancha pequena, com flutuação, mas que desenvolvesse um surf mais progressivo. 

MODELO KERROSOVER DA RUSTY

Esta evolução pode ser observada através de filmes de surf, como um da série The Search, da Rip Curl, que mostrava Tom Curren na Indonésia, com uma 5'7'' em grandes e perfeitas direitas. Redux 5'5'' x 19 1/4'' da Lost também foi outro filme que marcou essa nova tendência.

QUIVER DO SLATER

Os surfistas mais progressivos do planeta, entre eles Kelly Slater, Dane Reynolds, Chris Ward e Josh Kerr, entraram nessa onda e passaram, juntamente com seus shapers, a desenvolver o aprimoramento destes designs. A vitória de Kelly Slater no Pipemaster 2008 usando uma 5'11'' e sua consequente adesão aos modelos mais curtos de prancha, chegando à 201, com uma vitória em Tavarua/Fiji com uma 5'9'' x 18 1/4'' x 2 1/4'', mostra o ritmo acelerado desse "encolhimento". Dane Reynolds é outro que aderiu à moda, mas com modelos diferenciados, mais largos e com mais volume do que a dos concorrentes (5'8'' x 19 1/2'' x 2 1/2'' e a mais recente com 19 1/4'' x 2 7/16''). 
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MODELO #4 DE DANE REYNOLS / CHANNEL ISLANDS

Resumindo, a proposta deste texto foi mostrar o quão dinâmico o surf tem sido ao longo da história, no que tange ao design das pranchas. A última década, especialmente, tem mostrado que a tendência de diminuição nas dimensões das pranchas, preservando sua volumetria adequada ao peso e habilidade do surfista, vem se demonstrando que essa é a direção correta para aqueles que buscam pranchas mais progressivas. As manobras aéreas e de rotação estão cada vez mais altas e radicais, e o design das pranchas é um dos fatores que têm permitido este avanço técnico. Mas esta tendência não se limita aos atletas mais ágeis. É possível encontrar modelos intermediários com características próprias para os surfistas mais pesados e/ou com menos habilidade técnica, mas que buscam por pranchas mais manobráveis, sem comprometer a flutuação e a remada. Para os saudosistas, os modelos retrô ainda são um caso de amor e irão povoar os lineups do mundo por muitos e muitos anos.

                                                  LOST REDUX 5'5'' X 19 1/4' X 2 7/16''


KELLY SLATER PIPEMASTER 2008 COM UMA 5'11''