Era
uma vez na Fórmula 1: “...Lá vem Rubinho. Só faltam duas curvas e a reta de
chegada. Lá vem Rubinho, lá vem Rubinho....Lá vinha Rubinho....Vai parando
Rubinho..........Fim de corrida para o brasileiro....”
Não
é só no surf que o equipamento, algumas vezes, representa a diferença entre a
vitória e a derrota. Mas será que só o
equipamento é que deve ser responsabilizado pelos resultados de um atleta? Por que o carro do Schumacher não quebra? Com toda a tecnologia a disposição, por que o
fator humano é, ainda, o que decide quem ganha ou quem perde? E se eles trocassem de carro, o resultado
seria diferente?
Pois eu
faço essas reflexões, para introduzir um assunto que, para muitos, parece
ocultar o segredo da “pedra filosofal” do surf.
Até que ponto uma prancha é determinante para a performance de um
determinado surfista? Será que um shaper
tem o poder de transformar o mais medíocre dos surfistas num “K.S.”?
Os
vídeos de surf estão repletos de imagens, mostrando surfistas de alta
performance em manobras ousadas, seja em pranchas de última geração, em modelos
antigos, ou em modelos bizarros. Para os
leigos, tudo é uma forma de “encher linguiça” no filme. Para os que enxergam um pouco mais longe,
estes “insights” são uma forma de mostrar quão talentosos e “foras-de-série”
são estes atletas.
Minha
vida foi sempre ligada ao esporte. Filho
de jogador de futebol, na minha juventude eu pratiquei futebol, futsal,
ginástica olímpica, vôlei, e basquete entre outras coisas, até virar
surfista. Eu me lembro de uma
reportagem, quando o Pelé ainda jogava, em que ele demonstrava toda a sua
habilidade, fazendo “embaixadinhas” com os mais variados objetos (laranja, bola
de meia, de pingue-pongue, etc). Puro
talento talhado com muito treinamento e dedicação.
Há
alguns anos, mais precisamente em 2000, estive na Nova Zelândia e,
acidentalmente, achei uma edição especial sobre pranchas da revista Waves australiana. Em um dos artigos dessa revista, a questão da
prancha mágica é abordada de uma forma muito interessante. Entre as questões levantadas pelo autor (Sam
McIntosh), algumas merecem destaque. A
primeira delas é como definir o que é uma “prancha mágica”. Para o autor seria a prancha que possibilita
ao surfista alcançar outro nível no seu surf, permitindo uma ampliação dos
limites até então alcançados pelo atleta.
Outro
dado importante levantado pelo autor é a possibilidade (ou não) de isso
acontecer durante a vida de um surfista. Para isto, ele compara a quantidade de
pranchas que um atleta irá possuir na sua carreira (aumentando ou não as suas
possibilidades). Os dados indicam que um
profissional usa de 40 a 50 pranchas por ano, enquanto que um surfista comum
terá algo em torno de 20 pranchas em toda a sua vida. Isso diminui, em muito as chances de se ter a
prancha “mágica”. Beau Emerton,
profissional do WCT, reconhece que já possuiu mais de 1000 pranchas na sua
carreira, mas afirma que nunca teve uma que pudesse chamar de mágica.
Para
Dahlberg, shaper de pros do calibre de Occy, às vezes os pros não
dão muita chance para se adaptarem à um novo design. Por exemplo, Nathan Webster e Jake Paterson
geralmente dão um surf de uns 20 minutos e já se sentem aptos a dizer se uma
prancha serve ou não para eles. No filme
“The Occymentary”, Dahlberg relata uma passagem em que Occy recebe pranchas
novas e liga para o ele dizendo que “ela funcionou na primeira caída, mas
depois ela não funcionou. Mas depois ela voltou a funcionar novamente...” Por aí vocês observam o quão subjetivo pode
ser o julgamento de um surfista em relação a sua prancha.
Neste
artigo surge uma grande dica para os surfistas em geral. Já que a possibilidade de encontrar a prancha
ideal (ou mágica) está diretamente relacionada com a quantidade de shapes que
se pode testar, o jeito é testar o maior número de pranchas possível, num
espaço de tempo mais curto que uma vida de atleta. Para isso, imagine que você tem pelo menos
dez amigos, cada um com duas pranchas em média e, de preferência de shapers
diferentes. Se todos estiverem de
acordo, num dia de ondas razoavelmente boas, eles poderão fazer um rodízio de
pranchas e, a cada troca, fazerem anotações quanto as impressões que cada um
teve de cada prancha surfada. Mas tome
cuidado! Uma prancha partida ao meio
pode acabar com o “test-drive” e com a alegria de alguém.
Feito
isso, você terá surfado uma quantidade de pranchas comparável à média de
pranchas que você possuiria em toda a sua vida.
Além disso, você terá ampliado os sentidos com relação ao que estaria
mais próximo da prancha dos seus sonhos.
Se puder contar com o monitoramento de um shaper durante esse processo,
os resultados podem ser até mais confiáveis.
Talvez
isso seja um delírio da minha parte, mas a idéia parece ser tentadora. Mas e se você já possui, ou possuiu a tal
prancha mágica? O que fazer quando ela
já não estiver em condições de uso? Bom,
primeiro, jamais a venda sem tentar uma cópia, a mais fiel possível (e máquina
não garante fidelidade total). É bem
provável que as grandes virtudes da prancha em questão estejam nos pequenos
detalhes, às vezes até imperceptíveis para o mais experiente dos shapers.
* Este texto foi publicado num extinto site, chamado Surfside, por volta de 2000.