quinta-feira, 21 de novembro de 2013

SURF x VELOCIDADE



Toda vez que alguém encomenda uma prancha nova o shaper ouve a mesma súplica: “queria que a minha prancha fosse rápida e solta”.  Às vezes eu até brinco com o cliente, dizendo que ele quer uma prancha sem quilhas...  Mas na verdade, essa situação é mais complexa do que parece.  Para melhor entender o meu ponto de vista, vou fazer uma breve retrospectiva histórica do desenvolvimento do surf nas últimas três décadas.



Nos anos 70, o surf era desenvolvido sobre pranchas muito maiores e grossas que as atuais.  Na sua maioria single fins (uma quilha).  Havia muita flutuação naqueles modelos, mas as manobras eram muito limitadas e lentas (comparando com os dias atuais).  Se pudessem ver revistas da época, notariam que o porte físico dos surfistas era bem diferente dos atuais.  Tudo era mais rústico e embrutecido.  No final desta década surgem as twin fins (bi quilhas), esboçando a primeira reação na direção de um surf mais progressivo.  Os grandes expoentes dessa geração foram Gerry Lopez, Rory Russel, Shawn Thomson, Mark Richards, Cheyne Horan e Reno Abelira entre outros.



Chegam os anos 80, e com eles a grande revolução das tri-fins (três quilhas), criadas por Simon Anderson.  Testadas nos expressos da Indonésia e apresentadas à comunidade do surf pelo próprio criador durante o tour daquele ano, estas verdadeiras máquinas de moer ondas causaram o maior impacto do ponto de vista do aproveitamento da onda em comparação com as suas antecessoras.  Ao mesmo tempo em que proporcionava maior velocidade, como as twin fins, aliava maior segurança nas manobras mais críticas.  O equipamento ficou mais refinado, assim como os surfistas que se criaram nestes modelos.  Nomes como Hans Hedeman, Willy Morris, Joey Buran, Bud Llamas, Terry Richardson, Tom Carroll e Tom Curren marcaram esse período.




Os anos 90 chegaram meio mornos.  Havia uma relutância no começo da década em relação aos avanços nos designs das pranchas.  Era o impacto do pós-moderno afetando a comunidade surfística.  Muitos afirmavam que o surf havia chegado ao seu máximo e que tudo que se fazia era nada mais do que usar velhas idéias com uma nova roupagem.  Mas como a Fênix, o surf ressurge das cinzas para provocar no mundo do surf a maior revolução técnica de todos os tempos. 


Mais uma vez, a necessidade por velocidade foi a mola mestra desse salto qualitativo.  Só que desta vez ela foi impulsionada por uma geração de surfistas estilistas e radicais.  As necessidades criadas pelas manobras de última geração deram um novo gás para os shapers e designers de plantão.  Toda a indústria do surf foi afetada.  Novos materiais como fibras mais leves e resistentes, blocos mais refinados e até roupas de neoprene mais elásticas surgiram.  Esta geração conta com surfistas do naipe de Kelly Slater, Mark Occhilupo, Kalani Rob, the Iron’s Brothers, Hobgood Brothers, Lopez Brothers e tantos outros brothers.



Chegamos aos anos 2000 e já estamos em 2013.  As performances dos atletas ficam cada vez mais espetaculares.  Nunca se produziu tantos vídeos de surf, que são devorados por uma legião de entusiastas, ávidos por assimilar novos truques de seus ídolos.  Garotos de oito anos podem ser vistos tentando uma variedade de ollies, aéreos e reverses, entre outras manobras.  A velocidade é extrema, como uma metáfora da era digital em que vivemos.  Mas o que é que tudo isso tem a ver com você?
Por que você pede uma prancha que te dê mais velocidade ao seu shaper?


Era uma vez um surfista chamado Donovan Frankenreiter.  Ele era famoso por fazer um surf descomprometido e alternativo.  Um dia ele resolveu surfar com velhos modelos no meio daquela galerinha que só queria usar o que havia de última moda.  Resultado? Todos ficaram de boca aberta com a performance do rapaz que fazia manobras de última geração num “toco” de 30 anos atrás.  Moral da história? Será que é a prancha que dá velocidade ao surfista, ou é o surfista que dá velocidade à prancha?







No próximo artigo, eu estarei abordando a questão da velocidade x surf em detalhes mais práticos. Até lá...


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

DESENVOLVENDO UMA PRANCHA EM CONJUNTO COM O SHAPER



Situação 1 – Eu queria uma prancha rápida e solta. Capricha!!!

Situação 2 – Eu queria uma prancha diferente.  O que você acha de uma double wing swallow, com um concave no pé da frente, passando para um double concave no pé de trás e seis canaletas na saída da rabeta???

Situação 3 – Eu queria uma prancha com as medidas que eu vi da prancha do “fulano-de-tal”, na revista “Influir”.




Eu duvido que exista um shaper no mundo que nunca se deparou (ou se depara) com uma, ou mais, dessas situações apresentadas acima.  O surf evoluiu muito nas últimas duas décadas no Brasil, mas certas coisas parecem não mudar nunca.  È por isso que eu resolvi escrever este artigo.  Quem sabe não lanço algumas sementes, para mudar um pouco essa realidade?  Mas é preciso derrubar alguns paradigmas, no intuito de melhorar o relacionamento surfista/shaper e tirar mais proveito dessa relação.




A primeira é a crença de que o shaper é um indivíduo infalível, uma espécie de “guru”, que domina todos os conhecimentos relacionados à prancha de surf.  O shaper é sim, um indivíduo com a habilidade de transformar um bloco de poliuretano numa prancha, fazendo uso do conhecimento acumulado através da experiência e do estudo das pranchas ao longo do tempo e das ciências correlatas ao seu ofício (física, matemática, hidro e aerodinâmica, química, resistência dos materiais, antropometria, ergonometria, etc).  Cada prancha é uma peça única, fruto do estágio de desenvolvimento do shaper num dado contexto histórico e cultural.  Sendo assim, o shaper reflete nas pranchas: a sua linha de pensamento (conceitos), as tendências que cercam o seu entorno cultural (feedback da equipe de competição, satisfação do cliente, as pranchas dos pros do WCT, novos materiais, a situação política e econômica do país, etc).




O segundo é também uma crença muito comum no meio surfístico: “a prancha que é boa para um pro, é boa pra qualquer surfista”.  Não necessariamente!  Cada surfista tem características próprias.  Mesmo surfistas que têm estilos muito parecidos podem apresentar diferenças grandes no design de suas pranchas.  Eu tenho um amigo que é fã incondicional do Occy e tenta surfar como ele, mas o seu estilo é mais parecido com o do Tom Curren. Como equacionar um problema deste?  Primeiro, temos um problema psicológico, onde um indivíduo idealiza uma imagem de si mesmo.  Depois temos a imagem que os outros têm desse indivíduo.  Por último, temos o shaper, que, independente dos dois fatores anteriores, tem que se ater as reais necessidades do indivíduo em questão para, só então, produzir a prancha ideal.




É neste ponto que começa a verdadeira relação entre surfista e shaper.  Desenvolver o design ideal para um determinado indivíduo é um trabalho que leva algum tempo.  Sobre o shaper, já mencionei anteriormente que é o indivíduo responsável por transformar idéias em realidade, dentro de um determinado contexto que o cerca.  Mas qual é a responsabilidade do surfista nessa hora?  Como ele pode contribuir para melhorar os resultados de tal relação?




Acho que a palavra-chave é FIDELIDADE.  Quando se encomenda uma prancha pela primeira vez, a maioria dos shapers, não conhecendo o surfe do cliente em profundidade, produz uma prancha mediana.  Essa prancha será o referencial que o shaper irá usar na hora de fazer a próxima prancha.  Mas o cliente é a parte mais importante nessa etapa, pois o “feedback” fornecido por ele será primordial para os ajustes a serem feitos na nova prancha.  Pena que isso, em grande parte, seja uma grande utopia...




A maioria dos surfistas sofre de um mal chamado “imediatismo”.  Esse mal impede, na maioria das vezes, que um trabalho de desenvolvimento de uma prancha em conjunto seja concretizado.  Não fossem os atletas das equipes de competição e uns poucos realmente interessados no desenvolvimento do seu surf de uma forma mais racional, o shaper não teria como avaliar os progressos do seu trabalho de uma forma mais direta e objetiva.





Portanto, na próxima vez em que você for encomendar uma prancha nova, converse com o seu shaper, mas não chegue com idéias pré-concebidas.  Tente expor a suas dificuldades, em vez de suas virtudes.  Tente conhecer mais sobre a prancha e seu funcionamento, começando por guardar as dimensões básicas delas.  Com o tempo, talvez, você esteja apto a chegar junto ao seu shaper e manter uma conversa mais produtiva na hora de decidir qual vai ser a sua próxima “nave”.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

PRANCHAS PARA AS GAROTAS




Nos últimos tempos a presença feminina no outside tem sido notada com certa frequência.  As meninas deixaram a inibição de lado e partiram com tudo na busca de um lugar ao sol, em meio aos marmanjos, antes acostumados só a apreciar as gatinhas de bodyboard.  No meio dessa nova onda, tenho observado alguns fatos em relação ao tipo de prancha que essas novas adeptas do surf estão usando.



A grande maioria das meninas está com pranchas usadas (e beemmm usadas!).  Como, na maioria dos casos, as meninas começam a surfar numa idade mais avançada do que os meninos, isso pode levar a certas dificuldades na hora de surfar.  Salvo algumas exceções, as meninas não têm o mesmo desenvolvimento atlético que os meninos têm.  E isso parece ser um problema mais social do que físico.  Em todo caso, pelo início tardio no surf, as dificuldades encontradas pelas meninas em relação à remada e ao drop (ficar em pé) são maiores do que nos meninos (meninas que iniciam com menos idade têm menos dificuldades neste aspecto).


Neste sentido, para minimizar estes aspectos, uma prancha para uma garota iniciante deveria contemplar essas deficiências.  Como?  Nós temos dois problemas: um é de remada; o outro é de estabilidade.  A remada pode ser resolvida com um pouco mais de flutuação (espessura) na prancha e a estabilidade com um incremento na área da base (basicamente, onde se colocam os pés).  Há!  Você não pode encomendar uma prancha nova, ainda!  É cara e você não tem certeza se vai querer continuar surfando após um tempo de experimentação?  Então, preste atenção nestas dicas:


1 – Evite comprar pranchas muito velhas, geralmente estão muito pesadas;
2 – A prancha não precisa ser muito grande em relação ao seu tamanho (no máximo um palmo maior que a sua altura);
3 – Verifique a espessura da prancha, evite bordas muito finas;
4 – Verifique a largura da prancha, principalmente na área da base.  Quanto mais larga, melhor.  Evite rabetas finas e estreitas (round pin).



Passado o quesito “prancha”, vamos ao surf propriamente dito.  Como em todos os esportes, o equipamento é como se fosse uma extensão do corpo do atleta.  Sendo assim, quanto mais tempo você estiver com ele, mais entrosamento você terá.  Treine até quando não houver onda.  Pratique a remada nos dias de flat.  Treine o movimento de subir na prancha no solo.  Desenhe uma prancha no chão e simule a remada e o drop.  Apoie as mãos na região do peito, procurando lançar o corpo para cima num movimento explosivo.  Evite agarrar as bordas quando estiver fazendo este movimento no mar.



Para terminar, ai vão mais uns toques:

- Procure surfar mais afastada do crowd, para evitar acidentes.
- Não pegue ondas muito pequenas, pois elas são mais difíceis de surfar e de manter a estabilidade.
- Procure estar – sempre – com alguém mais experiente por perto, pois ele(a) lhe dará segurança e também vai ajudar a corrigir alguns erros normais nessa fase inicial.
- Por último, não esqueça de respeitar a prioridade da onda.



Boa Sorte e Boas Ondas!!!

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

GO SHORTER, GO WIDER, GO AHEAD (Parte 2)

Não vou me estender mais sobre o assunto, só abri uma nova postagem porque acabei de ver uma publicação no site SURFLINE, contando a famosa expedição de Tom Curren para a Indonésia, na qual ele surfa com uma 5'7'' fish, shapeada por Tommy Peterson. Este foi um daqueles momentos chamados de "divisores de água" na história, e que acabam por influenciar toda uma geração, quebrando paradigmas e abrindo o mundo do surfe para novas experiências e novas tendências. Enjoy it!

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

QUILHAS X BORDAS – Parte 2 - O Renascimento *





Já fizemos uma volta ao passado, para entender um pouco da evolução das quilhas.  Vimos que no princípio não havia quilhas nas pranchas e que hoje elas são imprescindíveis ao surf “pós-moderno”.  Mas qual é a função das bordas e que relação existe entre elas e as quilhas?Já foi comentado num artigo anterior, que Shaun Tomson afirmou categoricamente, que a cavada era a manobra mais importante do surf (isso lá pelos anos 70).

Se pudermos observar um vídeo de surf quadro a quadro, veremos que durante uma cavada, o surfista está apoiado na borda que está na água.  Olhando mais atentamente, veremos que uma das quilhas está fora d’água e a central está muito próxima à superfície, o que quase anula a força hidrodinâmica dela.  Hipoteticamente, se a água fosse mais densa, poderíamos surfar sem quilhas.  O envolvimento das bordas com essa massa seria o suficiente para manter o equilíbrio das forças dinâmicas atuantes.  Você duvida?  Observe os snowboards e os sandboards: eles não têm quilhas.

Agora eu cheguei onde eu queria: “Mudar o foco de atenção do surfista”.  Ao longo da minha carreira de surfista e shaper, sempre observei o modo como alguns surfistas se destacam de outros.  Inspirado na afirmação de Shaun Tomson e baseando nas minhas observações, cheguei a conclusão de que o que diferencia os bons dos “nem tão bons” surfistas é o foco de atenção deles sobre a prancha.  Uns baseiam o surf nas quilhas, outros nas bordas.


Os que baseiam o surf nas quilhas exageram nas manobras horizontais e perdem o ritmo durante o percurso da onda.  Isso se deve ao fato de que eles forçam demais a área da rabeta da prancha, pressionando e/ou empurrando ela contra a superfície da onda no intuito de mudar a direção da prancha.  Podemos observar, também, que esse tipo de surfista agita muito os braços na busca pela manutenção do equilíbrio.  Tudo isso contribui para uma perda de qualidade estética e funcional na performance destes indivíduos.


Já os surfistas que focam o seu surf nas bordas são muito mais harmônicos e transmitem aquela sensação de domínio sobre a matéria.  Tudo porque eles traçam linhas mais fluidas e despejam toda a energia adquirida no momento exato de explodir numa manobra.  Para este tipo, mudar a direção da prancha é uma questão de “troca de bordas”.  A postura deles demonstra um maior equilíbrio, fato que permite uma maior tranqüilidade na hora de raciocinar os movimentos ao longo da onda.

Dito isso, o que você pode fazer?  Cruzar os braços e se conformar com o seu estilo (ou falta dele), ou adotar uma atitude mais positiva, buscando a evolução do seu surf?  Você decide!  Se você tomou a decisão certa, ai vão alguns conselhos:

Ø  Seja mais observador: guarde um tempinho para ficar sentado na praia observando a performance do outros surfistas, compare os estilos;
Ø  Assista aos vídeos de surf e abuse do slow-motion e do quadro a quadro;
Ø  Seja observador consigo mesmo, vale foto, filmadora e a opinião dos amigos;
Ø  Seja mais contido por um tempo.  Execute menos manobras por onda, mas tente faze-las com perfeição;
Ø  Treine manobras separadamente.  Num dia cutbacks, no outro batidas e etc;


Ø  Tente ser mais consciente de você mesmo.  Por exemplo, dificuldades físicas (falta de condicionamento, alimentação deficiente);
Ø  Por último, avalie o seu equipamento (não só a prancha).  Por exemplo, parafina inadequada, cordinha muito grossa, deck antiderrapante mal posicionado, etc.



Eu acredito que todo o surfista é capaz de vencer as suas limitações e avançar para um patamar mais radical do seu surf.  Só depende dele, da sua força de vontade e da capacidade detectar deficiências e superá-las, com ou sem a ajuda de outros.  Espero que estes artigos sirvam, pelo menos, como estímulo.  Boas ondas!!!

* Este texto foi publicado num extinto site, chamado Surfside, por volta de 2000.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A PRANCHA MÁGICA - Harry Potter e a Câmara de Shape*







 

Era uma vez na Fórmula 1: “...Lá vem Rubinho. Só faltam duas curvas e a reta de chegada. Lá vem Rubinho, lá vem Rubinho....Lá vinha Rubinho....Vai parando Rubinho..........Fim de corrida para o brasileiro....”



Não é só no surf que o equipamento, algumas vezes, representa a diferença entre a vitória e a derrota.  Mas será que só o equipamento é que deve ser responsabilizado pelos resultados de um atleta?  Por que o carro do Schumacher não quebra?  Com toda a tecnologia a disposição, por que o fator humano é, ainda, o que decide quem ganha ou quem perde?  E se eles trocassem de carro, o resultado seria diferente?

Pois eu faço essas reflexões, para introduzir um assunto que, para muitos, parece ocultar o segredo da “pedra filosofal” do surf.  Até que ponto uma prancha é determinante para a performance de um determinado surfista?  Será que um shaper tem o poder de transformar o mais medíocre dos surfistas num “K.S.”?



Os vídeos de surf estão repletos de imagens, mostrando surfistas de alta performance em manobras ousadas, seja em pranchas de última geração, em modelos antigos, ou em modelos bizarros.  Para os leigos, tudo é uma forma de “encher linguiça” no filme.  Para os que enxergam um pouco mais longe, estes “insights” são uma forma de mostrar quão talentosos e “foras-de-série” são estes atletas.

Minha vida foi sempre ligada ao esporte.  Filho de jogador de futebol, na minha juventude eu pratiquei futebol, futsal, ginástica olímpica, vôlei, e basquete entre outras coisas, até virar surfista.  Eu me lembro de uma reportagem, quando o Pelé ainda jogava, em que ele demonstrava toda a sua habilidade, fazendo “embaixadinhas” com os mais variados objetos (laranja, bola de meia, de pingue-pongue, etc).  Puro talento talhado com muito treinamento e dedicação.

Há alguns anos, mais precisamente em 2000, estive na Nova Zelândia e, acidentalmente, achei uma edição especial sobre pranchas da revista Waves australiana.  Em um dos artigos dessa revista, a questão da prancha mágica é abordada de uma forma muito interessante.  Entre as questões levantadas pelo autor (Sam McIntosh), algumas merecem destaque.  A primeira delas é como definir o que é uma “prancha mágica”.  Para o autor seria a prancha que possibilita ao surfista alcançar outro nível no seu surf, permitindo uma ampliação dos limites até então alcançados pelo atleta.



Outro dado importante levantado pelo autor é a possibilidade (ou não) de isso acontecer durante a vida de um surfista. Para isto, ele compara a quantidade de pranchas que um atleta irá possuir na sua carreira (aumentando ou não as suas possibilidades).  Os dados indicam que um profissional usa de 40 a 50 pranchas por ano, enquanto que um surfista comum terá algo em torno de 20 pranchas em toda a sua vida.  Isso diminui, em muito as chances de se ter a prancha “mágica”.  Beau Emerton, profissional do WCT, reconhece que já possuiu mais de 1000 pranchas na sua carreira, mas afirma que nunca teve uma que pudesse chamar de mágica.



Para Dahlberg, shaper de pros do calibre de Occy, às vezes os pros não dão muita chance para se adaptarem à um novo design.  Por exemplo, Nathan Webster e Jake Paterson geralmente dão um surf de uns 20 minutos e já se sentem aptos a dizer se uma prancha serve ou não para eles.  No filme “The Occymentary”, Dahlberg relata uma passagem em que Occy recebe pranchas novas e liga para o ele dizendo que “ela funcionou na primeira caída, mas depois ela não funcionou. Mas depois ela voltou a funcionar novamente...”  Por aí vocês observam o quão subjetivo pode ser o julgamento de um surfista em relação a sua prancha.



Neste artigo surge uma grande dica para os surfistas em geral.  Já que a possibilidade de encontrar a prancha ideal (ou mágica) está diretamente relacionada com a quantidade de shapes que se pode testar, o jeito é testar o maior número de pranchas possível, num espaço de tempo mais curto que uma vida de atleta.  Para isso, imagine que você tem pelo menos dez amigos, cada um com duas pranchas em média e, de preferência de shapers diferentes.  Se todos estiverem de acordo, num dia de ondas razoavelmente boas, eles poderão fazer um rodízio de pranchas e, a cada troca, fazerem anotações quanto as impressões que cada um teve de cada prancha surfada.  Mas tome cuidado!  Uma prancha partida ao meio pode acabar com o “test-drive” e com a alegria de alguém.



Feito isso, você terá surfado uma quantidade de pranchas comparável à média de pranchas que você possuiria em toda a sua vida.  Além disso, você terá ampliado os sentidos com relação ao que estaria mais próximo da prancha dos seus sonhos.  Se puder contar com o monitoramento de um shaper durante esse processo, os resultados podem ser até mais confiáveis.



Talvez isso seja um delírio da minha parte, mas a idéia parece ser tentadora.  Mas e se você já possui, ou possuiu a tal prancha mágica?  O que fazer quando ela já não estiver em condições de uso?  Bom, primeiro, jamais a venda sem tentar uma cópia, a mais fiel possível (e máquina não garante fidelidade total).  É bem provável que as grandes virtudes da prancha em questão estejam nos pequenos detalhes, às vezes até imperceptíveis para o mais experiente dos shapers.

* Este texto foi publicado num extinto site, chamado Surfside, por volta de 2000.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

QUILHAS PRA QUE TE QUERO




Já se passaram oito décadas desde de que o visionário Tom Blake instalou o primeiro arremedo de quilha no fundo de sua prancha. De lá pra cá, vários materiais, formatos, quantidades e combinações já foram experimentadas. O advento das quilhas móveis foi o último grande salto, que permitiu uma maior capacidade de testar modelos diferentes e chegar a ajustes finos entre estilos de surfistas, tipos de ondas, e design de pranchas.

Hoje já é possível escolher uma grande variedade de quilhas de fabricantes diferentes, com sistemas de instalação variados e materiais cada vez mais sofisticados. O nível de refinamento está cada vez mais alto e os fabricantes investem muito dinheiro em R&D. As quilhas e sistemas de fixação são testados em laboratórios de ponta de universidades renomadas. 



As informações sobre os modelos de quilhas e suas aplicações estão cada vez mais acessíveis aos surfistas, leigos ou profissionais, nos websites dos fabricantes. Qualquer um pode avaliar as suas necessidades, dependendo do design da prancha utilizada e das ondas que pretende surfar, e juntar um set de quilhas para cobrir estas variantes.

Apesar de todo este avanço tecnológico, muitos surfistas ainda reclamam que as quilhas móveis carecem de um efeito próprio das quilhas laminadas. As quilhas de encaixe formam um ângulo de aproximadamente 90º, com o fundo da prancha. Ensaios de laboratório mostraram que a região de contado das quilhas laminadas com o fundo da prancha, com aspecto arredondado (como as barbatanas de um golfinho), cria um efeito de lifting, gerando um empuxo positivo. Talvez seja este o efeito que agrada tanto aos surfistas que preferem as quilhas fixas.



Bom, se este era o problema para esta parcela de surfistas, agora eles não terão mais do que reclamar. A FCS acaba de lançar sua mais nova linha de quilhas, ou melhor, duas linhas de sistemas de encaixe. O primeiro, que dispensa o uso de parafusos; o segundo, que simula o mesmo perfil das quilhas laminadas. Assista ao vídeo de lançamento e veja o nível tecnológico que  o surfe está atingindo no século 21.


Abaixo estão alguns links com estudos acadêmicos publicados envolvendo a análise de quilhas:

 - Análise de performance entre quilhas laminadas de fibra e quilhas de injetadas de composite:


- Performance hidrodinâmica de uma quilha de prancha de surfe:


- Estudo comparando a performance das configurações com 3 e 4 quilhas:


Estes são só alguns exemplos de trabalhos acadêmicos que abordam a performance das quilhas. É interessante ressaltar que os resultados apresentados, em sua maioria, confirmam o que foi empiricamente desenvolvido pelos shapers ao longo da história do surfe.

 - Aqui tem um guia com informações básicas sobre quilhas:




Cada fabricante descreve os modelos desenvolvidos e sugere sua aplicabilidade. Mas a palavra final fica por conta do usuário, já que, num universo de subjetividades, é o feeling que vai ditar a preferência por um modelo em especial. Para os surfistas que não têm uma opinião formada, ou estão entrando agora neste universo de quilhas de encaixe, sugiro que consultem o seu shaper como ponto de partida para esta aventura. Ele poderá sugerir o tipo ideal de quilha, ou de quilhas, para as condições em que a prancha será utilizada.






domingo, 7 de julho de 2013

GO SHORTER, GO WIDER, GO AHEAD!

O surf é um esporte incrível e surpreendente para quem estuda a sua evolução. Da religião ao esporte, do lazer às competições, da fuga ao profissionalismo, dos anônimos às superestrelas, da madeira aos materiais mais high tech, das olo boards às shortboards... São muitas eras que tiveram um desenvolvimento constante, mas nem sempre sincronizado.

O design das pranchas é um dos universos mais instigantes. Resumindo, como no parágrafo anterior, poderíamos dizer que as pranchas evoluíram de uma relativa padronização, para uma pulverização de designs. Mas quais os fatores que levaram a este patamar em que nos encontramos?

 FISH RETRO
MINI SIMMONS

Não houve um fator isolado, isto é certo. Ao longo dessa evolução, vários elementos contribuíram para estes avanços e mudanças de paradigmas. Um deles foi a descentralização do esporte, com a disseminação proporcionada pelo grande embaixador, Duke Kahanamoku, que propagou a beleza do esporte pelos quatro cantos do planeta. Isso contribuiu para que outras influências culturais começassem um processo de releitura do surf tradicional, baseado nas antigas pranchas havaianas.

Um segundo fato, foi o surgimento de novos materiais, que possibilitaram maior agilidade na construção  e experimentação de novas concepções de pranchas. A fibra de vidro e as espumas expandidas foram grandes impulsionadores desta fase.

Como terceiro aliado neste processo, citaria o desenvolvimento das competições. Isso criou um ambiente favorável à busca de pranchas mais ágeis e responsivas. O atleta deixava, cada vez mais, de ser passageiro, para se tornar o piloto destes protótipos. O shaper passa a ser um elemento chave deste universo. A era do shaper-guru dá lugar para o shaper-designer.

CASSIO KAYAN E SUA "LARGUINHA" NO PÓDIO

Como uma coisa leva a outra, os surfistas começam ater um comprometimento maior com a carreira profissional e com o desenvolvimento de novas manobras, elevando o surf a patamares inimagináveis. As décadas vão se passando e são marcadas por gerações de surfistas que deixaram seus nomes marcados na trilha do tempo, devido aos seus feitos, sejam eles competitívos, inovadores, ou simplesmente performáticos.

CASSIO KAYAN E SUA "LARGUINHA" EM AÇÃO

Neste aparente tornado de acontecimentos, o shaper foi a peça que mais teve que se adaptar, passando por décadas de transições, testando materiais, técnicas construtivas, vendo limites sendo derrubados e tendo que se reinventar a cada mudança. A mais recente destas transformações veio na forma de uma releitura de velhas ideias. Na década de 90, quando o mundo do surf ainda se adaptava às performances avassaladoras da turma do new-school, com suas pranchas "batata-chips", um movimento dos descontentes com estes designs ultrafinos e curvados iniciou uma romaria em busca do resgate de velhos designs esquecidos: a moda retrô. Fishes, Mini Simmons, Rocket Fishes e outros clássicos das décadas de 60/70 voltaram a surgir, para atender essa demanda. Diversos filmes começaram a mostrar os ícones da nova geração brincando com estas pranchas e mostrando novas possibilidades, baseadas numa linha de surf mais polida.

MODELO DUMPSTER DA CHANNEL ISLANDS

Não demorou muito para que shapers e surfistas percebessem que aquelas pranchas estavam longe do ideal para o atual patamar técnico do surf. A galera mais veterana até curtia aquele conforto na remada, devido a excessiva flutuação, mas elas limitavam muito a expressão em termos de manobras mais agressivas. Além disso, muitas delas não funcionavam bem em ondas mito rápidas, fotor que já está incorporado na linha de surf há algumas décadas. O resultado disso foi um blending de virtudes, ou um mix do melhor dos dois mundos: criar uma prancha pequena, com flutuação, mas que desenvolvesse um surf mais progressivo. 

MODELO KERROSOVER DA RUSTY

Esta evolução pode ser observada através de filmes de surf, como um da série The Search, da Rip Curl, que mostrava Tom Curren na Indonésia, com uma 5'7'' em grandes e perfeitas direitas. Redux 5'5'' x 19 1/4'' da Lost também foi outro filme que marcou essa nova tendência.

QUIVER DO SLATER

Os surfistas mais progressivos do planeta, entre eles Kelly Slater, Dane Reynolds, Chris Ward e Josh Kerr, entraram nessa onda e passaram, juntamente com seus shapers, a desenvolver o aprimoramento destes designs. A vitória de Kelly Slater no Pipemaster 2008 usando uma 5'11'' e sua consequente adesão aos modelos mais curtos de prancha, chegando à 201, com uma vitória em Tavarua/Fiji com uma 5'9'' x 18 1/4'' x 2 1/4'', mostra o ritmo acelerado desse "encolhimento". Dane Reynolds é outro que aderiu à moda, mas com modelos diferenciados, mais largos e com mais volume do que a dos concorrentes (5'8'' x 19 1/2'' x 2 1/2'' e a mais recente com 19 1/4'' x 2 7/16''). 
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MODELO #4 DE DANE REYNOLS / CHANNEL ISLANDS

Resumindo, a proposta deste texto foi mostrar o quão dinâmico o surf tem sido ao longo da história, no que tange ao design das pranchas. A última década, especialmente, tem mostrado que a tendência de diminuição nas dimensões das pranchas, preservando sua volumetria adequada ao peso e habilidade do surfista, vem se demonstrando que essa é a direção correta para aqueles que buscam pranchas mais progressivas. As manobras aéreas e de rotação estão cada vez mais altas e radicais, e o design das pranchas é um dos fatores que têm permitido este avanço técnico. Mas esta tendência não se limita aos atletas mais ágeis. É possível encontrar modelos intermediários com características próprias para os surfistas mais pesados e/ou com menos habilidade técnica, mas que buscam por pranchas mais manobráveis, sem comprometer a flutuação e a remada. Para os saudosistas, os modelos retrô ainda são um caso de amor e irão povoar os lineups do mundo por muitos e muitos anos.

                                                  LOST REDUX 5'5'' X 19 1/4' X 2 7/16''


KELLY SLATER PIPEMASTER 2008 COM UMA 5'11''